quinta-feira, 9 de novembro de 2017

«HEY, TEATCHER!»


No seu princípio, a escola é uma ideia bem achada. Os sujeitos em formação reúnem-se entre pares, convivendo uns com os outros, ao invés de crescerem encarcerados no seio de uma família; descobrem-se mutuamente; testam, em grupos maiores ou menores, os seus sentimentos, as expectativas possíveis; e treinam as formas de relacionamento e comunicação. Em tempos bem definidos, encontram-se sob a orientação de um adulto especializado, que lhes transmite (ou acorda! ou adormece!) conhecimentos.

O problema reside em que, em vários níveis, a escola não evoluiu. Não evolui. As sociedades mudam, as culturas transformam-se, os conhecimentos tornam-se cada vez mais profundos e sofisticados, os jovens têm outros preconceitos, outros interesses e outros modos de comunicar e se relacionar, num cenário que não apreende nem se adapta e, portanto, não acompanha a vertiginosa e complexa metamorfose.

Compreendo, naturalmente, que uma escola deva, em certa medida, ser conservadora. Afinal, é ela a unidade que subjaz às alterações; a forma de ligação a um saber que dá sentido à comunidade, a uma tradição por ela assumido, até certo ponto indiscutível; a instituição que disponibiliza um legado. Mas é fácil (e cómodo) que se reduza apenas a isso, como se os jovens não precisassem senão de ser convertidos em adultos do século XIX. Professores cansados e sem chama, ou preocupados, legitimamente, com os problemas laborais de uma carreira ingrata e humilhada, ou seja, professores que são funcionários sem qualquer particular vocação, desmotivados, exasperados com os comportamentos de alunos, que não entendem e não se adequam aos velhos moldes, fazem da escola o lugar do passado e da seca, da cegueira e da surdez.

Aliás, essa é a visão de escola promovida por sucessivos ministérios. O sistema de funcionários-tipo, levados a um trabalho que deve traduzir-se em horas escrupulosas de entrada e saída, planificações, reuniões, actas, fichas-padrão e testes-padrão. É uma mentalidade que se arrepia perante a sugestão de desmontar o programa, o plano, o esquema, o horário. Que estremece ante a ideia, não de confinar os alunos mas levá-los a sair, a visitar e a conhecer. Metaforicamente, também: tudo o que não seja confiná-los a um saber concentrado nas sebentas que lhes carregam as mochilas - que é um saber ultrapassado: os alunos de ciências pensam newtoniamente, sem o menor vislumbre do que seja Física Quântica e Mecânica Quântica; em Português, a literatura foi perdendo uma importância que nunca totalmente recuperou, mais autor, menos autor; em Filosofia - que contra-senso - a «matéria» evita, com prudente minúcia, qualquer atrevimento ao espanto e ao «pensar por si próprio» (não, não se encapota, aqui, um convite à espontaneidade fácil e superficial do pensar: não se trata de uma sugestão de regresso ao "eduquês"), resumida a uma série de frases feitas e sínteses de teorias, que os alunos deverão decorar, se querem estar preparados para um exame com perguntas de escolha múltipla -, tudo o que seja estimular-lhes a curiosidade e torná-los capazes de uma crítica ao senso-comum e à falácia, lhes eduque o gosto e o bom-gosto, estará eternamente vedado à escola. Ou não passará da excepção, que alguns professores abnegados só já cada vez mais dificilmente conseguirão ainda praticar. 

Na verdade, é pena. Porque uma escola do futuro é uma possibilidade minada à partida. Porque uma escola que apresenta as obras originais, em vez de resumos e «excertos» das sebentas, é um projecto a que se corta as pernas. Porque professores que se actualizem, e façam da própria leitura e de um itinerário pessoal de visitas a exposições ou participação em conferências, uma parte essencial da sua própria educação como educadores, em lugar de inúteis, pífias, ridículas (e, em geral, pagas!) «acções de formação», não constam do que a tutela e as direcções pretendem.

Não sei - e este seria outro problema - se as tendências que registei são inevitáveis num sistema de ensino público e democrático. Se estes dois adjectivos remetem necessariamente para uma escola inferior e pobre, sem exigências que não a de formar cidadãos de acordo com os valores da polis. (Valores, esses, que fundam a normalidade transmitida e, obviamente, nunca questionada: nem mesmo em Filosofia). Não sei se formar significa, a esta luz, abranger e integrar no sistema, mais do que educar, aguçar o espírito crítico e o dom do espanto. Não sei. Pergunto.

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