sábado, 11 de novembro de 2017

E SE FOSSE CONSIGO?


Um militante da Juventude Centrista, cujo nome, honestamente, não recordo e não tenho paciência para ir procurar (não sendo este meu lapso, portanto, uma táctica retórica de menorização do adversário), escreveu uma crónica no Observador, aparentemente acerca do Urban, dos seguranças e do racismo, mas, na verdade, acerca de si próprio.

Este jovem inventou uma anedota que lhe pareceu engraçadíssima. Reproduzo de memória: "o karma é tramado. O Urban foi barrado por um indiano de ascendência africana." (Para quem não esteja familiarizado com esta saga, o governo de Costa encerrou a discoteca.)

Ao que parece, a piada foi mal interpretada. Não entendendo a ironia de que julga ter o usufruto exclusivo, a "esquerda", escreve ele, leu, nestas palavras, uma observação racista. E o jovem indignava-se, como se, para a esquerda, uma pessoa de direita tivesse de ser racista; tivesse de aplaudir seguranças que barram a entrada a pretos; ou que batem em pessoas; ou, pior que tudo: não pudesse ter sentido de humor; ou não fosse capaz de ironia. Porque ele tem, ele é: defende a igualdade entre os homens, até como cristão. Preocupa-se com valores e com os desfavorecidos; abomina a prepotência; tem imenso sentido de humor. (Chega a aventar que, se a sua piada fosse usada por um stand-up comedian, seria sucesso garantido). Enuncia as suas incompreendidas virtudes. Um pouco mais, e acrescentava que era de esquerda.

O problema, como vêem, é menoríssimo. O título, O que Faria se Fosse Consigo? ou algo no género, teria graça se se tratasse, também, de uma ironia. Refere-se à situação dos que foram barrados à entrada do Urban por pertencerem à etnia errada? À dos que foram esmurrados e pontapeados? Já pensou como se sentiria no seu lugar? Não. Refere-se ao seu, dele, próprio lugar. Ser tão bom, e tão incompreendido pelos biltres da esquerda. Ter tanto humor, e não perceberem. Achar uma piada fantástica e, em vez de a propagarem por essa Internet fora, insultarem-no agrestemente.

Em primeiro lugar, a piada é boa. Não é excelente, é apenas boa. Em segundo lugar, é mau que a tenham interpretado sem lhe detectar a ironia. Não é o fim do mundo, é mau. Mas, caramba! as redes sociais são o exemplo extremo de um contínuo pulular de equívocos e distorções. Não se vai ao Facebook ou ao Tweeter para pensar ou fazer pensar, a não ser em raríssimas excepções que talvez se tenham enganado no meio. Vai-se para odiar, combater ou partilhar.

Em terceiro lugar, de todos os equívocos possíveis, este era o mais previsível. Céus! Se me tivesse perguntado antes de a publicar, eu tinha-o advertido. Não porque não haja inteligência, ironia e humor à direita (consumo com grande prazer Pedro Mexia ou João Pereira Coutinho), mas porque é quase uma reacção pavloviana julgar-se que um jovem centrista que escreve uma graça alusiva à etnia do primeiro-ministro (que, obviamente, ele ataca sempre que pode), contudo não o esteja a fazer, uma vez na vida, com intuito crítico ou pejorativo. Sobretudo se não soubermos (o jovem centrista bem o sublinha agora, mas quem teria, então, de conhecer esses elementos da sua biografia?) que chamou irmãos a colegas negros, ou que foi um grande amigo de Naraná Coissoró.

À parte tudo isto, o humor e a ironia medem-se no modo como reagimos às afrontas. Uma pessoa com sentido de humor não precisava de insultar a esquerda inteira, numa crónica que redigiu tremendo, sobre as teclas, de indignação e fúria. É dar-se demasiada importância. Não se afobe. Na esquerda há gente estúpida, como na direita existe certamente quem o não seja. Em geral, nas redes sociais, são-no quase todos. A isso se reduz a sua orientação política. E deixe lá. Se a política o desiludir, terá sempre possibilidade de se dedicar ao stand-up.

Sem comentários:

Enviar um comentário