terça-feira, 3 de outubro de 2017

ISALTINO


A democracia tem destas coisas. Os resultados parecem-nos sempre errados quando não seguem as nossas razões. Dir-se-ia impossível que uma maioria pudesse esolher mal, como se o saber da maioria devesse conter um elemento místico, uma indiscutível verdade.

Irritámo-nos quando uma maioria escolheu o Brexit; quando outra (ou os suficientes) elegeu Trump; ou perante a horrenda preferência do pavoroso Isaltino, com maioria absoluta, para a Câmara de Oeiras.

A pergunta, em face destes clamorosos erros de casting, terá necessariamente de ser: porque respeitamos, afinal, a democracia? Se a decisão do eleitorado não está intrinsecamente isenta de toda a insensatez e de todo o perigo, se não é um gesto mágico, superior, grávido de uma verdade absoluta, se lhe discutimos o valor, ainda que reconhecendo-lhe a validade, o que justifica essa aceitação? E porque a defendemos como o mais forte sinal da civilização e do progresso político?

Ou descarregamos, qual fardo tornado absurdo, esta veneração pela democracia como o sistema mais justo, ou sequer, nas palavras de Churchill, o pior com excepção de todos os outros, ou deixamos, no rescaldo de uma eleição, de criticar a expressão da "vontade popular" identificando-a como um sintoma "grave de cidadania" (Júdice devia querer dizer: um sinal grave de falta de cidadania), ou do terceiro-mundismo dos portugueses.

O subdesenvolvimento? Claro. Mas essas pessoas existem, não se lembravam? Há, é claro, votos menos, digamos assim, instruídos. De rurais, de idosos amedrontados, de pessoas preconceituosas, de gente que não desmonta a manipulação. Que maçada! E agora? Os seus votos não deveriam valer? Deveriam valer em menor percentagem? Quando coincidem em grande número e guindam ao poder o ladrão e o corrupto, anulamos a eleição?

Ou será que, em última análise, todos os votos significam algo? Ou seja, que não há votos estúpidos, mas votos que pedem alguma coisa, logo dizem alguma coisa, que nos passa despercebida, ou não é do nosso interesse particular? E portanto, o que se impõe é, mais do que uma crítica ou o desânimo, uma hermenêutica?

 A maioria absoluta oferecida a Isaltino é aterradora. Eu sei. Eu sei. Mas que significa ela, poças!, mais do que o baixo nível, o terceiro-mundismo, a ignorância ou a falta de educação cívica dos eleitores? Que viram os desfavorecidos (dando de barato que foram, sobretudo, estes, os culpados, como o haviam sido em Inglaterra e nos EUA)? Que lhes soou no candidato? O que perceberam, eles, que um homem venal, corrupto e inculto, soprando o sempiterno charuto, teria para lhes oferecer?

Duas coisas parecem certas: Isaltino era promessa de qualquer coisa com mais peso, para esses eleitores, do que as questões de moral e de carácter. E qualquer coisa que os outros não tinham para oferecer - ou não da mesma maneira.

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