sábado, 19 de agosto de 2017

VOTAR


Espelho, espelho meu, quem sou eu?
Não serei seguramente Montaigne, pelo que um essai tomando por tema a minha própria pessoa, seria, com certeza, abominável e confrangedor. Mas nada temam, porque já leram o título desta crónica. O assunto a que me interessa chegar - e espero fazê-lo com brevidade - é, portanto, um outro.

Para o trio ou quarteto de leitores regulares das Crómicas, deve ser difícil enquadrar-me. Convenhamos que não sou linearmente catalogável, o que poderia considerar-se uma virtude, a independência de espírito, ou um defeito, a ambiguidade e a incoerência.

As águas por que me aventuro são, inequivocamente, as de um oceano à esquerda. Sem filiação partidária, mas à esquerda. E no entanto, embaraça-me confessá-lo, soa-me mais a pesadelo do que a sonho a ideia de uma sociedade governada pelo Bloco, já para nem falar do PCP. As ideias que defendem são, em geral, justas e boas. O problema é que conheço as pessoas: o tipo de pessoas, e aquele seu fervor religioso, que se topa ao longe. Vi como essas pessoas, em nome precisamente das ideias, podem devorar outras pessoas, a quem chamavam "camarada".

Não me lembro se me senti compelido a votar em Marisa para a presidência. Mas o meu Presidente é Marcelo, cuja proximidade com o povo, que somos todos nós, me deixa rendido.

Sou vegetariano. Mas ser vegetariano é uma decisão que contém a sua própria utopia particular e, apesar de um vegetariano coerente ser um anti-capitalista, não estou certo de que se trate de uma escolha que se identificasse como de esquerda.

Meu filho insulta-me, chamando-me "politicamente correcto", mas as pessoas politicamente correctas com que me cruzo, as autênticas, arrepiam-se quase sempre que abro a boca.

A pergunta, que me permite sair no prometido destino, é se, partindo destes elementos, que não se ajustam em qualquer sistema, podíamos prever em quem vou votar nas eleições autárquicas. Duvido muito. Em última análise, nem eu sei. Apenas em quem não votarei nem votaria de modo algum.

No leque de personagens, que se abre, há de tudo, como na botica. Desde gente a contas com a justiça, caçada em corrupção (mas em sério risco de vencer, porque se há coisa que o povão perdoa é a corrupção), até pessoas que pouco ou nada sabem sobre o concelho em que se propõem mandar. Desde tipos enraizados, como eucaliptos, no antigo posto, até outros que nos sorriem, em outdoors, mascarados de independentes, embora ninguém ignore de que massa se fez essa idependência. O que possibilita que irmãos desavindos multipliquem listas rivais para a mesma Câmara. Desde a líder de um partido, que, não confiando em ninguém mais, se lança numa aposta radical e suicida, até aos fulanos feios e abrutalhados, que parecem esperar-nos para uma pega de caras, numa lista assumidamente patriótica. E absolutos desconhecidos.

Será mais fácil, bem vos dizia, ir excluindo.

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