segunda-feira, 28 de agosto de 2017

TRAZ PRÁ A FRENTE



A televisão portuguesa data dos anos 50 ou 60. Como é fácil de ver, a sua história acompanha, reflecte e, em alguma medida, marca o outrora do país. Se nos lembrarmos de que uma parte ocorreu sob o Estado Novo, em tempos de miséria e pouca diversidade cultural, anteriores à internet e aos telemóveis que constituem o único habitat das últimas gerações, apercebemo-nos da sua importância então, e intuímos a importância que poderá ter, ainda, como meio de nos levar a revisitar o seu e o nosso passado.

Hoje que Portugal parece renascer a partir de improváveis vitórias - o Euro 2016, a Eurovisão, as medalhas de ouro dos nossos atletas -, os jovens contemporâneos vivem sob uma educação e uma experiência de sucesso colectivo e, portanto, têm expectativas, fé e modelos que os tornam radicalmente diferentes dos jovens dos anos 60. Lembram-se? No marasmo de um país isolado no canto da Europa, como um puto mandado virar-se, de castigo, para a parede (salvo que, em vez da parede, tínhamos o mar, que é tão diferente) habituáramo-nos a pertencer a uma pátria perdedora. Parava-se para assistir à Eurovisão, mas já sabíamos que não tínhamos a menor hipótese. Depois, evidentemente, dizia-se mal dos outros países, que nos invejavam e desprezavam. No futebol havia o Eusébio, mas, internacionalmente, não íamos longe. Amália encantava, mas, de facto, parecia pouco como símbolo de um país inteiro.

O programa Traz prá Frente, do Canal Memória, reúne, em torno de uma mesa, diversas gerações de bons conversadores. O extraordinário Júlio Isidro, que experimentou, inventou, propôs, renovou e, sobretudo, descobriu, desassossegado e inesgotável, Nuno Markl e Fernando Alvim, radialistas que, de algum modo, equivalem, hoje, com seus múltiplos e exuberantes projectos, àquilo que Isidro terá sido em outra altura (também por lá andou Àlvaro Costa, mas esse constituiu, quanto a mim, um erro de casting), moderados por Inês Lopes Gonçalves, uma jovem adequadíssima para o papel, genuinamente curiosa, interessada, pertinente, e um convidado rotativo, transformam-se nos eufóricos porteiros de viagens pela memória que valem a pena. A alguns de nós, recordam o que havia - e havia, com menos meios, coisas verdadeiramente magníficas - e, aos mais novos, possibilitarão conhecimento e comparação.

Trata-se, paradoxalmente, de um programa jovem. O seu modo de encarar o passado e as suas referências televisivas nada tem de bafiento ou saudosista. É sempre bem humorado, frequentemente reflexivo. Não existiam Sic ou Tvi, já para não falar das Fox e das AXN. Não havia Guerra dos Tronos, mas havia Bonanza e O Santo. E, ainda antes do 25 de Abril, Zip-zip. É uma terna e prolífica ligação às raízes.        

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