domingo, 27 de agosto de 2017

TEORIA SALUTAR DA CONSPIRAÇÃO


O problema com o conhecimento do mundo a partir dos media é que nunca podemos analisar o próprio foco. Mostram-nos uma narrativa acerca dos factos, mas quem nos mostra uma narrativa acerca da narrativa? Quem identifica metodicamente o preconceito, a ideologia, o interesse que, ocultos sob a pretensa objectividade, condicionam a forma de ver (e contar) o acontecimento?

Detenhamo-nos um instante naquela revista que, se bem me lembro, usa como frase a promessa de lhe dar "uma visão". O slogan devia pôr-nos de sobreaviso. Em primeiro lugar, porque desejaríamos que alguém visse (isto é: pensasse) em vez de nós? Em segundo lugar, qual o preço dessa dádiva, num mundo em que, é claro, tudo tem um preço?

A Visão, que já não é o que era e, neste momento, não vale senão pela crónica humorística de Ricardo Araújo Pereira (uma vez que até o Lobo Antunes caiu e se fixou numa rotineira ruminação sobre os seus fantasmas) tem dedicado uma série de artigos à alimentação. Em concreto, trata-se de mostrar que as alternativas, quer sigamos um projecto de saúde e bem-estar, quer a recusa ética de consumir carne, têm trágicas consequências. Seria, evidentemente, excelente trabalho jornalístico. Denunciar as ilusões. Mostrar que os paradisíacos caminhos das novas utopias ocultam males desconhecidos, tráficos impensáveis, desequilíbrios ecológicos perigosíssimos. A questão é que tudo tem de ser analisado à potência. Que narrativa subjaz a esta narrativa? Que interesses movem o corajoso desmascaramento de interesses?

O leitor deve proceder a uma autêntica revolução copernicana. Não perder de vista que uma visão geocentrista verá e explicará sempre os movimentos dos astros diferentemente de uma visão heliocentrista. Nem perder de vista que, mais do que o jornalista investigar a partir do seu próprio parti-pris, existem indústrias ligadas à alimentação dita normal que tudo fariam - e fazem - para que olhemos para os produtos biológicos e sem carne como para verdadeiros pesadelos.

Nesta crónica, que parece talvez reflectir a mais primitiva teoria da conspiração, não há senão um convite. Não aceitem que vos ofereçam uma visão. Desconfiem. Investiguem. Comparem. Pensem à potência. Leiam as leituras de leituras de leituras. Se não fosse vegetariano, dir-vos-ia: não comprem gato por lebre.


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