sábado, 12 de agosto de 2017

OS ARISTOGATOS


A minha questão é acerca de razões. As razões profundas do gosto. Não tanto do nosso gosto em geral, que posso compreender como vá sendo formado por estímulos, referências, hábitos, entrelaçando-se ao longo da infância e da adolescência. Mas de um gosto particular.

Por exemplo, The Aristocats, a brilhante longa-metragem de animação da Disney. Porque é, ainda hoje, um dos meus filmes preferidos? Não sou nenhuma criança; vejo desenhos animados quando a minha filha me obriga, mas com algum distanciamento. No género, apreciei os Simpson quando os descobri, ou Peter Pan quando o redescobri. Porém, larguei-os como lastro, de modo a abrir espaço, na minha mente adulta, para Hitchcock, Godard, Woody Allen. No entanto, anos e anos volvidos, Os Aristogatos continua sendo um filme que me faz rir e comove. Por que raio?!

Meu irmão trabalhava no Diário, em Lourenço Marques. Eu teria 10 anos. Levaram-me à redacção, onde ele me esperava para irmos ao cinema. Não existia a horrenda moda das pipocas (mas desembrulhar e trincar chocolates durante a sessão já incomodava bastante), nem a dos cinemas minúsculos. A sala era a do cinema Scala, com plateia e balcão (e até camarotes), como deve ser. Lembro-me das cortinas sobre a tela, que abriam lenta e amorosamente, perante a nossa excitação. Como devia ser.

Nada de uma catadupa de anúncios.
O filme começava. O rato, uma espécie de detective, os cães estúpidos, o mordomo ambicioso. O bando genial de gatos (amigos de Thomas O'Malley, o gato vagabundo), a tocar instrumentos típicos de jazz. Mais o riso do meu irmão, à solta durante o filme, que me embaraçava e, simultaneamente, me enchia de felicidade.

Não tenho dúvidas. Este é o cruzamento de razões em que se enraíza o prazer com que dei o filme a descobrir a meus filhos, e com que o revejo ainda. O gosto conta-nos uma história. É uma viagem ao passado.

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