terça-feira, 29 de agosto de 2017

MAD MEN À PORTUGUESA


Confesso que uma das séries a que me converti recentemente foi Mad Men. Trabalhando em empresas da Madison Avenue, os jovens publicitários dos anos 50 cunharam, para si mesmos, o nome que a série usaria como título.

Aquilo que podemos acompanhar é, entre reflexões existencialistas e relacionamentos dramáticos, o puríssimo movimento da criatividade. No fundo, a publicidade vista como uma forma de arte. Os críticos da sociedade consumista não proliferavam ainda. Tornar os produtos apetecíveis, criar o desejo de os possuir, vendê-los psicologicamente, ainda não parecia uma infâmia, uma futilidade e uma arma ao serviço de um capitalismo sem escrúpulos, impiedoso. Apenas o exercício de jovens talentosos, poetas não do belo, mas do gosto e do apetite: estes homens estudavam o produto e o nicho de potenciais consumidores, e criavam o conceito que fazia crescer água na boca, a frase certeira, a imagem irresistível. Vemo-los pensando, sofrendo, em crise, ou tendo a intuição genial, que deverão, antes de mais, vender aos proprietários da marca, que a eles recorreram. Sem PowerPoint ou imagens digitais, dependendo unicamente da sua retórica e dos seus desenhos, numa sala de reuniões, apresentam a ideia ao cliente, como quem faz magia.

Quem vê um episódio de Mad Men e, depois, começa a prestar atenção à publicidade lusa, sente-se chocado. Oh, bem sei que, dos anos 50/60 ao nosso tempo, muita coisa ocorreu. Oh, bem sei que os EUA são os EUA e a Lusitânia é a Lusitânia. Ainda assim. Quem são, onde se formaram, quem contratou estes gajos? Já ouviram um anúncio radiofónico a um Banco, por exemplo, que não se faz senão através de sistemáticos diálogos entre um homem e uma mulher, sob o signo de jogos de palavras e de equívocos arrepiantemente paupérrimos? Pelo amor de Deus. Os fulanos que os contrataram acharam graça, riram-se? Alguém gritou: Que ideia tão gira? Ou um anúncio a um stand, ou a uma marca de automóveis? Ou, no cinema, aos benefícios da reciclagem? Ou a um refrigerante? Já alguém viu o mundo pretensamente (e pretensiosamente) surrealista da Somersby? (Dir-me-ão que talvez não seja publicidade portuguesa. Pois aposto que o é).

Temos jovens de talento em quase todas as áreas. Hoje. Na Literatura, na Banda Desenhada, no Humor, na Música, no Cinema, no Desporto, até na Imprensa. Por acaso, o produto televisivo nacional é pobrezito — mas, para quem aprecia o género "telenovela", o facto é que tem sido premiado internacionalmente.

Portugal começa a mostrar-se e a espantar. Considero este Renascimento uma das coisas melhores da participação no nosso tempo e neste país. Mas, por favor, não o publicitem.

Esqueçam a ideia. Não com os publicitários portugueses que nos cercam, gente que, no meio do renascimento do país, nunca renasceu, e é, até, infinitamente menos interessante do que os seus bisavós. Mesmo a publicidade portuguesa do passado vale mais: "Uma chama viva onde quer que viva", "Es-es-tá a go-go-zar co-co-mi-migo?" "Não, estou a go-go-go-zar co-com ele", etc. Estes, em contrapartida, já nasceram mortos: se os chamássemos para falar dos bons tempos lusos, arriscávamo-nos a estragar o brilho de um país a ressuscitar.

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