quarta-feira, 16 de agosto de 2017

INTOLEREMOS


Cumprimo-nos, como seres humanos, no uso virtuoso da razão. Este era Aristóteles a falar. Todavia, há situações em que a irracionalidade de certos homens nos torna, também, pouco aptos para o uso da razão. É igualmente cumprir a humanidade em nós, portanto, assumirmos que, perante aquilo que nos choca, até a resposta violenta se justificaria. Não há virtude sem emoção e, tantas vezes, uma emoção impaciente, exaltada, que se indigna e tem pouca propensão para perdoar.

Puxam-me pela manga. Recordam-me o valor da tolerância (que é, já de si, um termo equívoco). Mas, se ao longo da História e do pensamento político, essa ideia representou um papel fulcral para a aproximação dos homens, dos povos, e para a compreensão das diferenças, o facto é que ser-se humano deve exigir que tracemos um limite. "Isto", dir-nos-emos, "é intolerável". Não podemos aceitar, seja em nome de uma cultura, em nome de uma tradição, em nome de uma necessidade. Em nome de nada. Não posso, aqui, relativizar. Eles estão hediondamente errados. Ponto final.

O assassinato ou a tortura, claro: mas não me refiro a esses indignos casos extremos e, de certo modo, longínquos, de escolhas que já não são humanas. Refiro-me aos comportamentos intoleráveis daquela gente que conhecemos ou poderíamos conhecer, nos cumprimenta, frequenta o mesmo café. Falo na intolerabilidade de se ser um aficcionado do "espectáculo tauromáquico" ou da caça. Ou de abandonar um animal doméstico porque se vai de férias. Ou maltratar um cônjuge, ou os filhos. Ou atropelar e fugir. Ou - é o que está no meu espírito, desde a primeira palavra desta crónica pouco cómica - provocar deliberadamente um incêndio.

O mal tem a mais banal das figuras. Alguns dos incendiários serão doidos varridos, de olhos muito unidos e bocas mudas e babadas. Mas, e os outros? Os que se sentam, à noite, com a família, seguindo os noticiários, com um infame e secreto brilho de orgulho nos olhos? Porque pagaram a um reformado, ou se trata do próprio reformado, ou do proprietário de uma empresa que lucrará, ou... Pensar que eu não cria, quando me sugeriam haver, nisso, interesses económicos. Não os compreendia, então. Não os compreendo agora. Nunca entenderei.

São seres vivos para aquém de qualquer perdão. Não é possível um texto cómico. Nem ao menos um texto inteligente. Só uma crónica incendiada.

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